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A incerteza no mundo empresarial

Ser empreendedor, significa que diariamente irá lidar com situações incertas e com desafios imprevisíveis.

Este fator do desconhecimento e da incerteza sobre o futuro, é sem dúvida um fator que trava muitas ideias, muitos projetos e muitos empreendedores. Vamos tentar perceber um pouco melhor como é que a incerteza pode-nos afetar e o que podemos fazer com isso.

 

Imagine que lhe eram propostas as seguintes opções:

1. Levar um choque elétrico daqui a 10 minutos;

2. Não levar um choque elétrico;

3. Pode levar, ou não, um choque elétrico e não sabia quando lhe iriam dar o choque (caso levasse).

Qual das opções gera mais desconforto?

Embora a primeira opção tenha 100% de hipóteses de acontecer e que ninguém quer, ficamos mais desconfortáveis com a terceira opção. Não parece muito racional, pois temos menos hipóteses de receber um choque na terceira opção, mas mesmo assim é aquela que gostamos menos.

Jeff Hawking, autor do livro “On Intelligence”, escreve que o nosso cérebro recebe padrões do mundo exterior, guarda-os na forma de memórias e faz previsões, combinando com aquilo que viu antes e com o que está a acontecer no momento. Isso significa que a previsão é uma das funções principais do cérebro. E se a previsão é algo que o nosso cérebro faz recorrentemente, então significa que quando não tem informação suficiente para fazer previsões, começamos a experienciar desconforto psicológico e o medo entra em ação.

Um dos maiores medos dos empreendedores é o medo de falhar. O nosso cérebro fica mergulhado na incerteza e começa a experienciar a probabilidade de falhar e de não conseguir alcançar os objetivos. Gabriella Cacciotti, da Universidade de Warwick, fez um estudo sobre o medo e o empreendedorismo e verificou que o medo é uma enorme barreira psicológica para os empreendedores.

Então, os empreendedores têm uma tarefa herculana, que é diariamente lutarem contra o que o seu próprio cérebro quer, que é um futuro com certezas. Embora esta possa parecer uma batalha inglória e sem forma de vencer, podemos utilizar estes mecanismos do nosso cérebro a nosso favor, se utilizarmos e desenvolvermos a nossa inteligência emocional.

A inteligência emocional é a capacidade de reconhecermos os nossos estados emocionais e geri-los, bem como entender os estados emocionais dos outros e conseguirmos relacionarmo-nos com as outras pessoas. Esta área tem tido um crescimento imenso, dada a sua importância.

O Fórum Económico Mundial, que tende a reunir grandes líderes empresariais e políticos, para discussão de temas de grande interesse para a sociedade, projetou as competências que consideram ser necessárias para prosperarmos na quarta revolução industrial, tendo colocado a inteligência emocional no TOP10 (6º lugar).

E como é que podemos utilizar a inteligência emocional nesta situação? Através de 2 estratégias:

1. Entender a influência dos nossos estados emocionais

Um dos passos muito importantes é utilizar a nossa autoconsciência emocional. A autoconsciência foca-se em entender que estados emocionais estamos a experienciar e que esses estados impactam o nosso processamento cognitivo. Por exemplo, imaginemos que um empreendedor tem uma nova ideia e começa a ter dúvidas sobre o projeto e pensa que pode falhar. Se o empreendedor parar um momento e refletir sobre o seu estado emocional, provavelmente notará que está a sentir medo. O medo não é um traço, mas sim um estado temporário, e neste caso, possivelmente gerado pela incerteza. Quando estamos com medo, o nosso cérebro foca-se nos nossos receios e tem maior dificuldade em analisar de forma racional a situação, ficando mais motivado a afastar-nos daquilo que nos mete medo. No entanto, quando ganhamos consciência do que estamos a sentir e que os nossos pensamentos não são “verdadeiros”, mas são gerados pelo nosso estado emocional, conseguimos ganhar uma maior clareza sobre o assunto e reduzir o medo que estamos a sentir. Ou seja, um empreendedor consegue mais facilmente entender que as ideias negativas que está a ter sobre o seu projeto, não se deve ao projeto em si, mas ao facto de estar a experienciar medo. E com esta tomada de consciência, podemos dar passos mais objetivos e contornar este estado emocional. E se não o conseguirmos no momento, pelo menos entendemos que não estamos no melhor estado para analisar a situação, evitando tomar decisões precipitadas ou tirar ilações erradas.

2. Utilizar os nossos estados emocionais a nosso favor

Não existem boas ou más emoções. Todas as emoções têm uma função adaptativa, no entanto, podem-se tornar disfuncionais, caso não tenhamos consciência do impacto que elas estão a ter em nós. O medo não foge à exceção. Ele pode ser paralisante, mas também nos dá energia que podemos utilizar a nosso favor. Como o medo realça a distância de onde estamos até onde queremos chegar, podemos utilizar esse fator para aumentar a nossa preparação. Podemos rever os planos, procurar mais informação e dividir o nosso plano em várias metas mais pequenas, reduzindo a incerteza. O medo consegue-nos fazer ver que existem coisas que estão em falta, recursos que estão em falta e que precisamos de arranjar. Conseguimos, portanto, melhorar o nosso projeto e gerar mais ideias. Imagine que podia anular completamente o medo da sua vida. Se isso acontecesse, muitos dos seus planos iriam falhar, porque não se preparava minimamente, não tinha qualquer aversão ao risco e não refletia sobre os seus projetos.

O mundo está cheio de incerteza e o empreendedorismo aumenta essa mesma incerteza. Mas embora o nosso cérebro não esteja programado para reagir bem à incerteza, não significa que esse seja um fator negativo.

Se utilizarmos a inteligência emocional a nosso favor, podemos utilizar essa forma de funcionamento do nosso cérebro de forma benéfica, conseguindo melhores resultados.

O Impacto da Incerteza no Stress

“Não existe nada certo, excepto a incerteza”

“A única certeza é a incerteza”

Estas são frases e ditados comuns no dia-a-dia e que revelam a verdade sobre a nossa natureza. Na nossa vida, existem inúmeras variáveis a ocorrer ao mesmo tempo e que apontam para a incerteza. Nada é certo na vida. Posso pensar que vou ser promovido para o ano, que vou de férias daqui a um mês, que o meu relacionamento vai durar, mas a qualquer momento tudo pode mudar.

No entanto, o nosso cérebro reage muito mal com a incerteza. O nosso cérebro é um grande simulador que está sempre a tentar prever o que vai acontecer a seguir. E, se não conseguir prever com alguma exatidão, começa a gerar stress interno.

Regra geral, não notamos este efeito da incerteza nas pequenas coisas do dia-a-dia, pois o nosso cérebro pensa que sabe o que vai acontecer a seguir. Tem um sentimento de certeza, no meio da incerteza da vida. Pensa que o comboio vai chegar daqui a 10m, pensa que hoje vou jantar com aquele meu amigo, pensa que hoje no local de trabalho as coisas vão estar na mesma. Este é um dos grandes motivos porque somos seres de hábitos e de rotinas, pois preenche a nossa vida com maiores certezas, fazendo com que experienciemos menos stress.

O problema surge quando a mudança ocorre ou quando o risco de incerteza começa a aumentar.

Vou fazer-te imaginar um cenário, em que quero que penses qual das opções é que te irá gerar mais stress:

  1. Vou-te dar um choque elétrico daqui a 10m
  2. Não te vou dar um choque elétrico
  3. Posso dar-te, ou não, um choque elétrico e não sei quando te irei dar

Qual das três situações gera-te maior stress e desconforto?

Embora a 1ª opção tenha 100% de hipóteses de acontecer e que ninguém quer, ficamos mais desconfortáveis com a 3ª opção. Não parece muito racional, pois temos menos hipóteses de receber um choque na 3ª opção, mas mesmo assim é aquela que gostamos menos.

Foi feito um estudo por Archy de Berker da UCL Institute of Neurology, em que os voluntários jogavam um jogo de computador em que tinham que virar rochas digitais, onde poderiam encontrar cobras escondidas. Caso uma cobra aparecesse, eles levavam um choque ligeiro.

O jogo estava desenhado para irem melhorando a sua previsão sobre onde estavam as cobras, mas mantendo algum grau de incerteza. Enquanto jogavam o jogo, os participantes estavam a ser monitorizados pela sua dilatação das pupilas e pela sua transpiração, que são indicadores de reação ao stress.

O que descobriram foi que se alguém tivesse a certeza que iriam encontrar uma cobra, o seu stress era menor do que aqueles que estavam incertos se iam encontrar a cobra ou não. Ou seja, mesmo que os que tivessem pouca certeza não levassem o choque, os seus níveis de stress eram maiores do que aqueles que tinham a certeza e que levavam o choque.

Um episódio que retrata o fenómeno da incerteza muito bem, pode ser visto na II Guerra Mundial. Durante a II Guerra, o centro de Londres era bombardeado todas as noites pela Alemanha, sendo que nos subúrbios, os bombardeamentos eram mais esporádicos e imprevisíveis. Interessantemente, foi nos subúrbios que os médicos detetaram uma maior evidência de pacientes com úlceras no estomago, que é um dos maiores fatores causados pelo stress. Não era a magnitude dos bombardeamentos, mas a sua incerteza, que causava maior impacto no cérebro e no corpo.

O nosso cérebro gosta de alguma certeza, gostava de prever o que vai acontecer a seguir. Então, temos que aplicar este conhecimento no nosso quotidiano. A forma como comunicamos com os outros, como tratamos os outros, tem que ter por base um sentido de alguma certeza. Recordo uma situação que aconteceu comigo, onde o meu Diretor chegou ao escritório de manhã e disse-me “Temos que falar. Agora não tenho tempo, mas no fim do dia precisamos falar”. Durante todo o dia vieram-me pensamentos de possíveis motivos para ele querer falar comigo, os meus níveis de stress estiveram mais altos e a minha produtividade caiu a pique nesse dia. No fim do dia, o tópico da conversa cingia-se a uma ideia que ele tinha tido e que queria uma opinião. Uma comunicação simples, mas cheia de incerteza, impactou-me ao longo do dia.

Em certos momentos de maior mudança e incerteza, como na chegada de um novo diretor, quando a empresa passa por grandes mudanças ou é adquirida, quando não se sabe se vão existir despedimentos ou não, ou quando um colaborador assume um novo papel, verifica-se muitas vezes que não é considerado o fator da incerteza e não é comunicado da melhor forma a nova visão e os próximos passos. Prefere-se o silêncio ou pode considerar-se que não é relevante iniciar uma comunicação destas. Mas é um erro, que vai aumentar os níveis de stress dos colaboradores, baixar o bem-estar psicológico e motivação e cair a produtividade.

O mundo pode estar cheio de incertezas, mas nós podemos influenciar o sentimento de certeza das pessoas à nossa volta. Para o cérebro, o que conta mais é o sentimento de certeza do que a certeza real, porque esta, tal como os ditados dizem, não existe.

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